
Wolters
faz uma suposição interessante de uma criança que contrai uma doença crônica séria,
para qual não haja cura, se torne inválida e a doença venha a desgastar todo o
seu corpo. Enquanto ela se aproxima da adolescência dois processos se tornam
claramente perceptíveis:
- · Um é o processo da maturação e crescimento que continua apesar da doença e que é natural, normal e bom;
- · O outro é o progresso da doença, que corrompe e debilita o funcionamento sadio do corpo.
Ainda
no pensamento de Wolters, suponhamos que esta criança alcance a adolescência e
a cura da doença tenha sido encontrada, e vagarosamente ela começa a recuperar
sua saúde. Agora há um terceiro processo operando em seu corpo:
- · O processo da cura, que neutraliza e anula a ação da doença e não tem outro propósito a não ser o de conduzir o jovem à maturidade sadia.
A
saúde desta pessoa foi restaurada depois de muitos anos. Wolters está dizendo
que o processo da revelação criacional na história não é como um processo de
crescimento biológico, mas como um processo de desenvolvimento responsável.
Contudo, ele pode indicar um ponto importante: as ruínas do pecado não destroem
completamente o desenvolvimento criacional normativo da civilização, mas o
explora (WOLTERS; 2006, p. 57).
Para
Wolters, seria um erro profundo voltar ao estágio original do desenvolvimento
da terra, ao tipo de mundo exemplificado pelo jardim do Éden. Devemos escolher restauração
em vez de repurificação (WOLTERS, 2006, p. 86). A repurificação acarretaria o
retorno cultural ao jardim do Éden, que voltaria ao relógio histórico. Com
relação a analogia do adolescente doente desde a primeira infância Wolters diz
que:
Um
retorno à saúde num estágio posterior de desenvolvimento não acarretaria uma
volta ao estágio de desenvolvimento físico que caracterizava o período anterior
de boa saúde do jovem. A cura genuína para o jovem seria uma progressão sadia
da adolescência para a idade adulta. Por analogia, a salvação em Jesus Cristo,
concebida no sentido criacional mais amplo, significa uma restauração da
cultura e da sociedade no seu atual estágio de desenvolvimento. A religião
bíblica é historicamente progressiva, não reacionária (WOLTERS, 2006, p. 87).
Wolters
segue dizendo que a religião bíblica é historicamente progressiva, não
reacionária.
A
palavra “desenvolvei” (katergazesthe) citada em Fl 2:12, é usada nos papiros
dos primeiros séculos do Cristianismo geralmente para descrever as atividades
de um fazendeiro ao cultivar a terra. É como se Paulo estivesse dizendo:
“cultivem a salvação de vocês (pessoas regeneradas), desenvolvam o que Deus tem
realizado em vocês; apliquem a salvação que vocês receberam em cada área de
suas vidas – trabalho, recreação, família, cultura, arte, ciência e etc”.
Mas,
o que isso tem a ver com a autoestima?
Quero
levar o leitor a refletir sobre como os problemas do passado não determinam a
realidade de nossas vidas embora eles possam nos influenciar, e que jamais
precisamos desejar voltar ao estado anterior ao do problema sendo que Jesus
pode nos purificar exatamente no estado de desenvolvimento em que nos
encontramos hoje. É isto que traz a verdadeira esperança, pois se a nossa
esperança estiver limitada em sentimentos nostálgicos conforme o termo
reacionário, nosso sentimento de culpa só aumentará.
De
acordo com a linha de pensamento de muitos pastores com formação em psicologia
e teólogos integracionistas, a autoestima é uma questão de vida ou morte, ou
seja, para eles uma criança que foi abusada verbalmente ou fisicamente poderá
sofrer danos irreparáveis conforme escreveu um famoso psicólogo cristão chamado
James Dobson:
“Mas
pode apostar que ele ouviu sua mãe, e seu autoconceito sempre (ênfase dele)
refletirá o que ela disse”; “Seu autoconceito nunca se recuperará dos pesadelos
que seu pai infligiu em sua mente precoce” (DOBSON, 1974, apud, ADAMS, 2007, p.
137).
Certamente
que os pais estão errados em tratar seus filhos de maneira irresponsável, mas
usar palavras categóricas tais como “sempre” e “nunca” faz parecer que o dano é
irreparável.
Outro
teólogo com formação em psicologia chamado Anthony A. Hoekema familiarizado com
o movimento da autoestima, diz que “os pais devem, também, tratar de problemas
de disciplina de tal maneira que não firam a autoimagem da criança” (HOEKEMA,
1987, p.124). Ele também diz que:
Provavelmente,
as raízes do seu problema repousam em experiências da infância as quais
deixaram uma marca indelével em sua personalidade, ou ainda em certas
pressuposições religiosas nas quais foi treinado e das quais não consegue se
livrar (HOEKEMA, 1975, apud ADAMS, 2007, p. 138)
Para
Hoekema (1975 apud ADAMS, 2007, p.139) “também é possível que uma pessoa com
problemas tão profundamente arraigados...nunca será capaz de alcançar uma
autoimagem positiva e consistente”.
Os
pensadores da autoimagem acreditam que as crianças estão amplamente, se não
totalmente, presas aos que lhes aconteceu nos primeiros anos de vida. Porém, o
ensino fundamental da fé cristã é que somos libertos do domínio do nosso
passado por meio de Cristo e somos capacitados a servi-lo fielmente.
Veja
o que está escrito em 1 Pedro 1:18,19:
“Sabendo
que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes
resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo
precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de
Cristo...”
A
verdade é que não estamos presos ao que nos fizeram na infância. A fonte
intelectual da ideia de que nossas experiências do passado determinam nossa
visão de Deus, dos outros e de nós mesmos provém da psicologia psicodinâmica.
Essa ideia foi desenvolvida por Sigmund Freud e Erik Erikson. A teoria da
psicodinâmica tem influenciado muitas pessoas, até mesmo cristãs, a dizerem que
suas experiências do passado justificam viver no engano no pecado.
A
pessoa diz: “Como eu sou uma vítima de abuso, outra pessoa é responsável pelo o
que eu me tornei, não tomei essa decisão conscientemente, alguém tomou ela por
mim”.
Nossas
experiências do passado não precisam ser determinantes em nossa visão em
relação a Deus, ao próximo e a nós mesmos.
Quanto
mais nos esquivamos de nossas responsabilidades por nossa descrença, mais
culpamos os outros e vivemos saboreando o papel de vítimas. Quando projetamos
mentiras e imagens falhas de Deus, preferimos apontar os pais humanos como a
causa em vez de buscar sondar as atividades do próprio coração (POWLISON; 2010,
p.168).
Quando
nos identificamos e nos responsabilizamos por nossa incredulidade, amargura,
maledicência, autopiedade e mentira, passamos a reconhecer que o nosso maior
problema nunca foi nosso opressor, mas nosso próprio coração orgulhoso.
Os
sofrimentos de infância ou do passado podem ser perturbadores, mas a tendência
de cair em tentações não surge de causas externas, mas de dentro de nós. Os
sofrimentos, o diabo ou Deus não produzem nossos pecados. Somos atraídos pela
nossa própria cobiça (Tg 1:2,14).
Nosso
coração não é passivo, o modo como eu ajo não foi determinada por uma causa
externa. O passado oferece um contexto onde o coração ativo e obstinado se
revela e se expressa.
No
Brasil, hoje, muitas pessoas se apoiam nesse pensamento de que foram
prejudicadas no passado pela escravatura e que isso tem “determinado” suas
poucas oportunidades de estudos e sucessos profissionais. Quando lemos as
cartas de Paulo, vemos que Deus escolheu uma palavra carregada de muita
experiência negativa, ou seja, eles foram chamados de escravos de Cristo (1 Co
7:22). Que choque devia ser a linguagem de imagens de escravidão utilizada por
Paulo para aqueles escravos ressentidos ou desesperados.
“A
estultícia está ligada ao coração da criança” (Pv 22:15).
As
crianças não estão obrigadas a fazerem más escolhas porque sofreram abusos ou
porque escutaram palavras negativas. As pessoas decidem como responderão a uma
determinada situação. Embora a criança seja diferente do adulto de muitas maneiras,
a dinâmica da qual estamos falando não é diferente nas crianças e nos adultos.
É assim porque crianças nascem com uma natureza pecaminosa e então iniciam uma
vida autocentrada (ADAMS, 2007, p. 136).
O
que acontece com uma criança quando é maltratada por um adulto?
Não
estou justificando os pais que agem de maneira repreensível, pois isso é
condenável aos olhos do Senhor. A questão aqui é dizer que isso não significa
que não há remédio para quaisquer efeitos prejudiciais que possam ocorrer. Todo
bebê nasce pecador (Sl 51:5). Eles cometem seus próprios erros e respondem
pecaminosamente ao tratamento pecaminoso dos pais e dos outros. Esse é o ponto
crucial da questão. Eles aprendem a falar mal daqueles que falam mal deles. E
quando aceitam as falsas ideias sobre si mesmas, que os pais ou outros
comunicaram a elas tais como: “você não tem habilidade” ou “você nunca será ninguém”
elas estão respondendo de maneira pecaminosa ao tratamento pecaminoso que receberam
(ADAMS, 2007, p. 140). O que as crianças fazem de errado em resposta ao pecado
também é pecado. É isto que traz a esperança. Os erros cometidos pelos pais ou
por outras pessoas no passado não são irreversíveis, esse pensamento precisa
ser rejeitado.
A
esperança é que em Cristo não apenas os pecados podem ser perdoados, mas os
padrões pecaminosos que a criança desenvolveu em resposta aos maus tratos e as
maneiras erradas de pensar podem ser mudados. Jesus era uma criança sem
pecados. Ele cresceu ouvindo e vendo comportamentos errados de outras pessoas.
Seus pais eram tementes a Deus, mas mesmo assim devem ter errado com ele, por
serem pecadores.
O
que fica estampado nos pequenos pecadores não é o que os outros tem feito a
eles, mas sim os padrões pecaminosos de respostas que eles mesmos desenvolvem e
gravam na sua maneira de viver (ADAMS, 2007, p. 142). Houve uma situação que
Jesus foi mal compreendido por seus pais em Lucas 2:40-52. Seus pais, com medo
e preocupados, erroneamente o acusaram e o repreenderam. Mas, como uma criança
sem pecado Jesus respondeu com integridade. Seus pais perguntaram: “por que
fizeste assim conosco?” (Lc 2:48), ele recusou aceitar a culpa e
respeitosamente disse aos seus pais que eram eles que tinham errado. “Por que
vocês estavam me procurando? Não sabiam que eu deveria estar na casa de meu
Pai?” (Lc 2:50).
A
visão da autoestima sobrecarrega os pais com fardos insuportáveis, pois defende
um padrão de educação infantil impossível de se viver. Esse pensamento sugere
que os maus tratos provocam problemas de autoimagem que podem ser para a vida
toda, além do alcance da obra do Espírito Santo. Direcionam as pessoas para um
caminho de vitimização e autocomiseração e do egoísmo. Contrariam as palavras
de Jesus, incentivando os homens a encontrarem valor em si mesmos, quando eles
deveriam negar-se a si mesmos.
“A
graça divina começa em Deus com Seu amor – não no homem com seu valor. Colocar
a redenção em qualquer nível de dependência do valor do homem, em vez da
misericórdia de Deus, é menosprezar a graça” (ADAMS, 2007, p. 97).
Para
Macarthur (MACARTHUR; MACK, 2004, p.138) a autoestima não é a solução para a
depravação humana. Ela só a agrava! Ele diz que:
Os
problemas de nossa cultura – especialmente a angústia que arruína os corações
humanos – não serão resolvidos por meio do engano do de fazer com que as
pessoas se sintam melhores acerca de si mesmas. As pessoas são de fato
pecaminosas, no mais íntimo de seu ser. A culpa e a vergonha que sentimos como
pecadores é legítima, natural e até mesmo apropriada. Possui o propósito
benéfico de permitir que conheçamos a profundidade de nossa própria
pecaminosidade.
A
verdadeira culpa tem somente uma causa: o pecado. Até que o pecado seja
tratado, a consciência lutará para acusar. E o pecado – e não a baixa
autoestima – é o que o evangelho veio derrotar (MACARTHUR; MACK, 2004, p.130).
REFERENCIAL
TEÓRICO
ADAMS,
Jay. Autoestima: Uma perspectiva
bíblica. São Paulo: Nutra, 2007.
WOLTERS,
Albert M. A Criação Restaurada: Base
Bíblica para uma cosmovisão restaurada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
MACARTHUR,
John; MACK, Wayne. Introdução ao
aconselhamento bíblico: Um guia básico de princípios e práticas de
aconselhamento. São Paulo: Hagnos, 2004.
HOEKEMA,
Anthony A. O Cristão toma consciência do
seu valor. Campinas: Luz para o Caminho, 1987.
POWLISON,
David. Uma nova visão: O
aconselhamento e a condição humana através das lentes da Escritura. São Paulo:
Cultura Cristã, 2010.
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