O
que torna errado nossos desejos? Primeiramente é preciso aprender a discernir
para o que vivemos, e para isso é necessário irmos até a raiz central da
existência humana, o coração. A nossa vida, o nosso conhecimento, as nossas
atitudes e opiniões são moldadas o tempo todo pelo conjunto de pressupostos que
mantemos conscientemente ou inconscientemente e a maior parte do tempo sem que
percebamos (pressupostos tácitos). A forma como nós interpretamos e julgamos a
realidade através de experiências diárias é chamada de Cosmovisão.
Cosmovisão
(Weltanschauung) em seu conceito geral significa concepção de mundo, visão de
mundo, percepção de mundo e etc. É um conjunto de pressuposições que podem ser
verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas, e que nós
sustentamos de forma consciente ou não.
A
cosmovisão pessoal é constituída e desenvolvida ao longo da vida através de
duas dimensões:
- Psíquico-Social: depende das experiências adquiridas ao longo da vida e dos relacionamentos sociais, é neste tempo que somos moldados pelos pressupostos que adquirimos ao longo de nossa experiência no mundo
- Religiosa central ou espiritual (coração): O homem já nasce com um coração tendencioso às coisas relacionadas a Deus e tudo o que diz respeito a ele. A dimensão religiosa central é representada pelo coração, a raiz central da existência humana que independe de experiência para se formar. Aprendemos através das Escrituras que o homem trás consigo o pecado desde o seu nascimento e, por isso, essa tendência infelizmente em relação às coisas de Deus não são nada boas.
O
grupo social mais básico e responsável por formar nossa percepção da vida e do
mundo é a família. A família tem sido afetada de fora por visões de mundo
globais e regionais. A família também pode afetar a percepção de um indivíduo
partindo de dentro.
É
interessante observar a troca e compartilhamentos de experiências na vida do
indivíduo que vem desde a educação passada pelos pais, a formação recebida pela
igreja, escolas, cultura, leis e etc., é nesse processo de compartilhamento de
informações que as percepções de famílias, grupos sociais vão se tornando cada
vez maior até que se chegue a um nível nacional, configurando a identidade de
um povo, e quando esses limites geográficos de um povo são ultrapassados temos
aí o “espírito de uma época” um “zeitgeist” uma cosmovisão compartilhada a um
nível macrocultural.
É
preciso conhecer a origem e o desenvolvimento do “espírito de uma época”
(zeigeist) e suas principais correntes de pensamento para que possamos fazer
uma análise efetiva (biblicamente orientada) da realidade social na qual nos
encontramos. No entanto, para se viver neste mundo da maneira crítica,
discernindo a vontade de Deus, diante dos desafios sutis impostos pela
mentalidade de nosso tempo, ao mesmo tempo sem desprezarmos os momentos de
verdade presentes nas diversas manifestações culturais, é fundamental ter a
Palavra de Deus habitando no coração (Fabiano de Almeida Oliveira).
O
processo de compartilhamento de visão de mundo se origina em uma “estrutura de
plausibilidade” (BERGER; LUCKMANN) validada e legitimada por um grupo minoritário
até que se chegue a um estágio de processo de compartilhamento interativo que é
a institucionalização de crenças, valores, visões de mundo, através da criação
de projetos de lei, políticas concretas como programas econômicos e políticas
públicas de saúde e educação. A institucionalização também pode acontecer
através do estabelecimento de teorias científicas, filosóficas, tendências artísticas
e culturais.
O
problema é que nossos desejos nos enganam porque eles parecem plausíveis. Quem não
quer saúde, conforto financeiro, um cônjuge amável, bons filhos, sucesso no trabalho,
pais bondosos, comida saborosa, uma vida sem congestionamentos de trânsito, e
ter o controle das situações? Muitas vezes o objeto do desejo é mau: matar,
roubar, traficar drogas, porém, muitas vezes o objeto do desejo é bom e o mal
reside no senhorio deste objeto. Nosso desejo toma o lugar de Deus e determina
o modo como viveremos. As bençãos recebidas por Deus começam dominar nosso
coração e se tornam em ídolos. Estes ídolos por sua vez, serão compartilhados
socialmente com argumentos plausíveis. A transição da idolatria pessoal para a
vida social se dá muitas vezes através de um compartilhamento tácito de uma
visão de mundo que rejeita a Deus em seu coração, porém, na superfície, parece ser
algo que está em conformidade com a Palavra de Deus.
A
idolatria socialmente compartilhada começa com a tendência da absolutização do
próprio eu, ou seja, quando o eu é entronizado no coração. O coração do homem é
fundamentalmente religioso, sua essência é ser para Deus. “Do coração procede
as fontes da vida” (Pv 4:23). O próprio Deus fez o homem religioso por meio do
senso da Divindade (Calvino). Sabemos que o pecado trouxe separação entre Deus
e o homem, e todos são concebidos em pecado (Sl 51:5), e por isso tendem a ser
rebeldes em relação a Deus e a sua Palavra, e tentam ver o mundo totalmente sem
um Senhor para não o glorificar (Rm 1:21). É no coração do homem que o Espírito
opera a regeneração e a santificação (2 Co 3:3), e é neste coração que se
define a quem ele servirá, a Deus ou a um ídolo (2 Cr 16:7-9; Ez 14:1-7).
O
ser humano foi criado na suma dependência de amar a Deus de forma absoluta e de
confiar em sua Palavra de forma absoluta. Disso depende a sua plena realização.
O homem tem colocado seu amor e confiança (fé) na criação (objetos de devoção),
em lugar do Criador. Um ídolo é tudo aquilo que o homem ama e confia de maneira
suprema, tornando a sua plena realização dependente dele (Tim Keller). As pessoas de uma determinada sociedade
passam a idolatrar não apenas um, mas uma série de ídolos representativos
daqueles ideais mais valorizados em sua época, que são os ideais mais
importantes para a consecução de sua realização pessoal, familiar e social. O homem
tenta se realizar à parte do amor de Deus tentando suprir seu vazio depositando
o seu amor e confiança no dinheiro, poder, beleza e etc., pois o ídolo maior
(eu) é quem elege os ídolos menores construído pelo coração. “A imaginação do
homem é, por assim dizer, uma perpétua fábrica de ídolos” (Calvino).
A
visão de mundo do homem nesta época (hipermodernidade) questiona muitas coisas,
pois para o homem hipermoderno o futuro do mundo é uma verdadeira incerteza.
Neste período o homem busca realiza-se de forma imediata buscando aquilo que
agrada seus desejos, prazeres e sentimentos.
Nossos
anseios desviados são senhores ilegítimos mesmos quando o objeto do desejo for
uma coisa boa, pois a “qualidade” do desejo usurpa a Deus. Bons princípios esvaziados
do Senhor, “descristificados”, só podem servir ao ego (David Powlison). Os
desejos idólatras sequestram a alma humana.
O
pecado surge de dentro da pessoa, e não de circunstâncias externas ou dos problemas
do passado. As rejeições passadas não criam o desejo de ser aceito pelas
pessoas, assim como a rejeição atual não causa esse desejo. As ocasiões para a
concupiscência da carne jamais serão a causa destas. As tentações e os sofrimentos
desencadeiam vontades, mas não criam essas vontades.
O
medo e o desejo são dois lados de uma mesma moeda. Se desejo dinheiro, tenho
medo da pobreza. Se almejo ser aceito, fico aterrorizado com a rejeição. Se temer
a dor e o sofrimento, anseio por conforto e prazer. Se anseio por ser superior,
tenho medo de ser inferior aos outros.
Escute
com cuidado qualquer pessoa que é dada a reclamações, e você observará a
variedade de coisas que ela cobiça. Um tipo específico de cobiça aparecerá com
mais frequência, e este será o seu “pecado raiz”. Desejos podem ser
concupiscências da carne, mascarados como metas, expectativas e necessidades
legítimas. O comportamento está intimamente ligado ao motivo, e o motivo, ao
comportamento (Rm 13:14; Gl 5:16,17; Ef 2:2; 4:22; Tg 1:14-15; 4:1-3; 1Pe 1:14;
2Pe 1:4).
O
fenômeno da globalização tem aproximado as mais diversas culturas e subculturas
diferentes, levando o homem à valorização da diversidade e da diferença
(MST; Movimento Gay; Movimento Indígena; Movimento Feminista; Movimento Negro) e
à rejeição daquilo que é universal. A confiança colocada em ídolos sociais contribuem
para a privatização da fé cristã. Vivemos em um tempo de pós-modernidade, onde
cada cultura produz suas próprias verdades e seus próprios princípios e
valores, a isto chamamos de Relativismo Cultural.
Somos
tentados a pensar que nossa plena realização depende de sermos aquilo que a
sociedade idealiza, ou termos coisas ou sentirmos determinadas sensações que a
sociedade valoriza e tudo isso da maneira mais imediata possível. Por isso,
devemos substituir determinadas ocasiões por momentos devocionais (oração e
leitura da Palavra), educando nossos filhos nos princípios cristãos, pois a
base social de uma cosmovisão cristã consistente está na educação efetiva
passada de pais para os filhos (Dt 6:4-7).
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