Infelizmente
não são poucos o que se candidatam para ministério pastoral baseados em uma
ambição egoísta, ao contrário da aspiração santa (1 Tm 3:1), e como consequência,
muitos compreendem o chamado para o ministério pastoral como uma oportunidade de
crescimento profissional, como de uma carreira que pressupõe certo grau de habilidades
em negócios, interesse próprio, recompensa pessoal e reconhecimento público.
John Piper diz que “a profissionalização do ministério é uma ameaça constante à
ofensa do evangelho” (PIPER, 2002, apud HARVEY, 2013, p.64).
A
igreja não é uma trajetória de carreira (HARVEY, 2013, p.64). Uma das formas
para compreender melhor nosso chamado é entender a distinção entre alvos e desejos com base na distinção
entre perfeição e fidelidade (GOMES, 2012, p.24). Por exemplo, podemos ter como
alvo o dinheiro, porém, nem sempre será possível ter dinheiro e se o tivermos,
sabemos que “a traça e a ferrugem corroem, ladrões escavam e roubam” (Mt 6:19).
Ter dinheiro poderá ser um bom desejo, se o seu propósito for o de servir ao
alvo de Deus, de sermos honestos, fiéis e generosos. Podemos ter como alvo o
casamento, que é uma instituição de Deus, porém, o casamento não é um bom alvo
porque sua realização não depende de nós, depende da vocação de Deus, e,
também, da vontade do outro, e caso você ouça um não, esse alvo será frustrado.
Casamento poderá ser um bom desejo, se o seu propósito for o de servir ao
alvo de Deus, conforme as disposições da Palavra de Deus e se houver concordância
do outro. Podemos ter como alvo ser perfeitos, conforme está escrito em
Filipenses 3:12-16, porém, ser perfeito não é um bom alvo porque ninguém jamais
conseguirá ser perfeito neste lado da vida. Somente Deus que é perfeito, pode
ter o alvo de que também sejamos perfeitos, e Ele o irá realizar (Fl 1:6). Ser perfeito
para nós é algo impossível, mas é um bom desejo. Paulo diz que não havia ainda
obtido ou recebido a perfeição, mas prosseguiria para esse alvo, deixando de
lado os impedimentos e desejando ser fiel à sua vocação. Por vezes cometemos
deslizes, mas seremos fiéis cada vez que retornarmos para Deus confessando
nossos pecados buscando como alvo sermos fiéis à perfeição de Cristo. Se formos
fiéis ao alvo de Deus, ele satisfará os desejos do nosso coração (Sl 37:3-4).
Aqueles
que são chamados a pregar o evangelho podem ser os mais suscetíveis a
afastarem-se do evangelho (HARVEY, 2013, p.41). É o evangelho que defini nossa
identidade e não nossa credencial, pois quando pastores buscam proeminência o ministério
está em perigo (WELLS, 1992 apud HARVEY, 2013, p.65). Por mais erudito seja um
pastor (estudo acadêmico da Bíblia é essencial), sua credencial jamais deve ser a base para validação de seu chamado. “Não
há chamada para o ministério que não seja primeiramente uma chamada para Cristo”
(CLOWNEY, 1964 apud HARVEY, 2013, p.42). É somente porque a nossa chamada
primária é garantida por meio do evangelho, mediante a cruz, que podemos nos
regozijar em explorar a chamada para o ministério. Quando Paulo estava a caminho
de Damasco como um profissional que tinha como objetivo matar cristãos, Cristo apareceu
com notícias de uma mudança de carreira (At 9:15). Apesar de seu chamado ser
singular, o que o definiu fundamentalmente não foi aquilo que ele foi chamado a
realizar, nem sua educação e posição social, nem sua carreira ou seu contexto
cultural. Conhecer a Cristo como Senhor superou tudo: “Sim, deveras considero
tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu
Senhor” (Fl 3:8). “Ser escolhido para o ministério é algo sublime. Ser escolhido
para a filiação á ainda mais sublime” (HARVEY, 2013, p. 43).
Sem
o evangelho não temos um trabalho (1 Co 2:2). Precisamos reconhecer o
verdadeiro valor do evangelho, ainda que tenhamos descoberto seu poder para nos
salvar, não temos ideia do que possuímos. Paul Tripp faz uma analogia
interessante sobre nossa nova identidade em Cristo e a maneira como nos
contentamos em viver na pobreza. Imagine que certa tarde você receba um
telefonema de um funcionário do banco que lhe informa que herdou cem milhões de
reais de um parente distante. Daí você desliga o telefone todo empolgado para
contar a sua esposa da fortuna recém encontrada. Corre até o banco, apresenta os
documentos exigidos e saca dez mil reais para levar a sua esposa para jantar em
um dos melhores restaurantes do país. Seis semanas mais tarde, sua esposa, ao
analisar as despesas da casa, confusa diz: “Fulano, pensei que você tivesse
dito que estávamos mais ricos do que poderíamos imaginar. Contudo, ainda
vivemos como se fôssemos muito pobres. Por que ainda não vivemos da herança que
você recebeu?” O marido responde: “Você sabe como é difícil ir até o banco e
sacar o dinheiro? Primeiro, o banco fica no centro da cidade. O trânsito é horrível
e estacionar é pior ainda. Quando você chega ao banco, precisa ficar numa
daquelas filas quilométricas e, quando finalmente chega ao caixa, eles o tratam
como se fôssemos criminosos e não como clientes” (TRIPP, 2009, p.350). (OBS: Isso não tem nada a ver com a teologia da prosperidade, e sim o nosso caráter em Cristo).
O
evangelho é o que realmente importa, se o removermos o ministério bíblico autêntico
irá desaparecer. Homens são chamados como plantadores de igrejas, como
pastores, para celebrarem a dignidade de Jesus, para garantir que nunca seja
dito de sua congregação em relação ao evangelho: “Eles não têm ideia do que
possuem”.
Conforme
disse Dave Harvey:
Irmão, se você ama
a ideia do ministério pastoral porque pensa que é qualificado para ajudar as
pessoas em seus problemas, ou porque pode meditar em teologia, ou porque gosta
da ideia de pessoas vindo toda semana para ouvir as coisas novas que você tem a
dizer, então, preste um serviço à igreja por abandonar o pastorado (HARVEY,
2013, p.50).
Nenhum
homem tem o direito de moldar a igreja de Deus para satisfazer suas próprias necessidades,
pois ela foi comprada pelo sangue de Cristo (At 20:28).
REFERENCIAL
TEÓRICO:
HARVEY,
Dave. Eu Sou Chamado? A vocação para
o ministério pastoral. São José dos Campos: Fiel, 2013.
TRIPP,
Paul David. Instrumentos nas Mãos do
Redentor: Pessoas que Precisam Ser Transformadas Ajudando Pessoas que
Precisam de Transformação. São Paulo: NUTRA, 2009.
GOMES,
Wadislau. Quem cuida de quem cuida? São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
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