Por que o capitalismo é tão injusto?
Esta tem sido uma das perguntas que muitos economistas têm tentado explicar.
Alguns defendem que a desigualdade tende a cair com o desenvolvimento, o
estágio avançado de industrialização, conforme foi à tese do Nobel de Economia
Simon Kuznets nos anos 50. Outros, porém defendem que a concentração de renda
tende a crescer mesmo com o avanço da industrialização, como diz o francês
Thomas Piketty autor do livro O
Capitalismo do Século 21. A história nos mostra que países comunistas
tiveram décadas para mostrar que este modelo seria bom, ou que poderia
funcionar. Em todos estes anos não foi visto nenhum produto de consumo de
sucesso destes países saindo para o mercado mundial. Porém vemos que o
capitalismo por ser um sistema econômico que visa à capacidade de gerar
riquezas por meios de produção com fins lucrativos de entidades privadas tem
focado hoje na sofisticação dos hábitos de compra das pessoas e tem oferecido
toda espécie de produtos cada vez mais sofisticados, e que tem gerado um crescimento
elevado do consumismo.
A meu ver, o problema não está no
capitalismo, e sim em quem está por trás dele, o homem. O capitalismo é sim, a
mais eficiente invenção humana para se gerar riquezas, porém, ela tem se desenvolvido de forma incompleta,
tem se desprovido da metade humana (Mackey)[1].
O problema da desigualdade social não
é de hoje. O livro de Levítico é datado por volta de 1.446 a 1.406 a.C e em seu
capítulo 25 e 26 vemos Deus tratando de um problema semelhante ao nosso. Estes
capítulos concentram-se em Israel na sua terra. Esta terra pertence a Deus, por
isso ele declara ao povo de Israel dessa forma: “Quando entrardes na terra, que vos dou” (Lv 25:2), ele quer dizer
que somos estrangeiros e peregrinos e que devemos cuidar bem desta terra,
observando seus estatutos para que tudo vá bem e possamos habitar seguros nela
(Lv 25:18-24). O Senhor estabeleceu uma forma de resgate para as pessoas que
viessem a se empobrecer perdendo todos seus bens. No ano do Jubileu todas as
dívidas seriam perdoadas e todos os bens deveriam tornar a possessão daquele
irmão que havia perdido tudo com suas dívidas. Qualquer propriedade que
tivesse sido vendida desde o Ano Jubileu anterior deveria voltar ao seu
proprietário original. Deus queria ver seus filhos cuidando dos seus negócios,
cultivando suas propriedades para cuidarem bem de suas famílias. O propósito de
Deus era dar estabilidade a economia e que não houvesse a famosa “desigualdade
social” que tanto vemos no país em que vivemos hoje. Tudo é dele, somos apenas
mordomos, peregrinos e estrangeiros nesta terra, temos que aprender a cuidar
daquilo que Ele tem nos dado, e não acharmos que o que temos é nosso e que
vamos levar alguma coisa daqui quando morrermos.
Nos dias do profeta Amós
(760-750 a.C) o sistema era todo corrupto, e ao mesmo tempo serviam ao Senhor.
O grande problema era o quadro da sociedade mostrado por Amós. Duas classes se
desenvolviam: ricos e pobres. Os ricos possuíam palácios de verão e de inverno,
abarrotados de objetos e móveis enfeitados de marfim (Am 3:15). A justiça era
um bem comercializado[2].
No capítulo 8:4-6, o povo de Israel, estava roubando os pobres. Eles estavam
defraudando o povo da classe pobre. Defraudar alguém significa abusar dessa
pessoa, aproveitando-se de sua fraqueza, ingenuidade ou posição de
inferioridade. Não havia honestidade. A desonestidade era explicita, pois eles
estavam diminuindo as medidas, balanças estavam sendo adulteradas e misturavam
materiais (colocando palha junto do trigo).
Existe um grupo de pessoas que Deus
sempre se preocupou e ainda tem se preocupado, este grupo vem sendo facilmente
explorado pelos governantes, líderes religiosos, empresários e etc. A viúva, o
órfão, o estrangeiro, o pobre tinham e ainda tem um amor especial de Deus por
eles. O Senhor disse através do profeta Zacarias: “Executai juízo verdadeiro, mostrai bondade e misericórdia, cada um a
seu irmão; não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre,
nem intente cada um, em seu coração, o mal contra o seu próximo” (Zc 7:9,10). Mesmo assim os líderes continuaram
explorando as pessoas para seus benefícios próprios. Os governantes das nações
haviam ignorado a lei de Moisés e se recusado a demonstrar compaixão com este
grupo de pessoas (Êx 22:22-24; Dt 10:18-22; Am 2:6-8; 5:11,12,21-24). Suas
orações se tornaram abomináveis para Deus, pois estavam jejuando para si mesmos
(Zc 7:1-6).
Infelizmente estes princípios ainda
continuam sendo ignorados não só pelos governantes, mas pelos cristãos. Hoje, o
1% mais rico dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, absorve quase
metade do crescimento total da renda, a outra metade fica com os 99%[3].
Marck Parker, presidente da fabricante de material esportivo Nike, recebe um
salário 1.000 vezes maior do que a média da companhia[4]. A
quantidade de pessoas pobres hoje é menor do que a do início de 80, porém a
desigualdade vem aumentando na maioria dos países. Mesmo que os pobres venham
melhorando de vida, os ricos estão melhorando mais ainda, causando o avanço da
desigualdade.
Hoje nosso governo vem tentando
combater a desigualdade social com vários programas de transferência de renda
como o Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria
rural, métodos estes, que podem criar uma dependência de sua ajuda para vida
toda. O sistema de cotas em minha opinião pouco ajuda a “solucionar” o problema
da pobreza ou falta de oportunidade, pois este sistema não age com equidade com a população carente. Serviços emergenciais devem sim, ser
oferecidos para população carente, porém, este socorro pouco faz para mudar o
problema, pois cria uma dependência da ajuda que vem de fora. Eles devem ser
oferecidos juntamente com programas de desenvolvimento para capacitar pessoas
que são pobres a ganharem uma vida digna, por si sós. Um provérbio chinês muito
antigo ilustra a diferença entre o socorro e o desenvolvimento: “Se você der peixe a um faminto, matará sua
fome por um dia. Se ensiná-lo a pescar, suprirá suas necessidades para o resto
da vida”. O desenvolvimento protege a dignidade do pobre e lhe oferece a
oportunidade de sair da pobreza e suprir suas próprias necessidades[5].
Atualmente a metade da população
mundial é de crianças e jovens, a previsão para 2050 é que teremos mais idosos
do que crianças pela primeira vez. Foi publicado na edição de julho/13 na
revista EXAME[6]
um artigo sobre “o investimento em educação na primeira infância é a chave para
ter uma população mais qualificada” quanto antes melhor. James Heckman[7],
da Universidade de Chicago, estudou as conseqüências de um programa especial de
educação para crianças pobres da década de 60 no estado de Michigan. Após 40
anos os resultados foram bons. A maior parte de crianças que participaram do
programa, concluíram o ensino médio e obtiveram salários melhores do que as
crianças que não participaram do programa.
Em nosso país o status social é
determinante sobre o futuro dos filhos. Por ter uma educação melhor, os filhos
dos mais ricos ficam com os melhores empregos. Os filhos dos pobres acabam, na
melhor das hipóteses, brigando pelos empregos que sobram. A desigualdade é tão
injusta que existe um desperdício enorme de talentos de parte da população,
pessoas que poderiam estar produzindo muito mais. O problema concentra-se na
falta de “oportunidades”. No Brasil o filho de um médico, advogado, engenheiro tem
12 vezes mais chances de ser médico, advogado, engenheiro e administrador do
que o filho da empregada doméstica[8].
O foco deve estar na primeira
infância. Como vimos anteriormente, James Heckman mostra que a melhor arma
contra a desigualdade social é investir em crianças já nos três primeiros anos
de idade, período crucial para melhorar as habilidades cognitivas e
socioemocionais. Crianças que freqüentaram o equivalente a creches (0 a 3 anos
de idade) e pré-escolas (4 a 6 anos de idade) apresentaram na idade adulta
renda mais alta e probabilidades mais baixas de prisão, de gravidez precoce e
de depender de programas de transferência de renda do Estado no futuro. Para
ele, a educação na primeira infância constitui provavelmente o melhor
investimento social existente e quanto mais baixa for a idade do investimento
educacional recebido mais alto é o retorno recebido pelo indivíduo e pela
sociedade[9].
Para Dobson (1999) existe um período
crítico durante os três primeiros anos de vida de uma criança que é quando o
potencial para crescimento intelectual precisa ser aproveitado. Há sistemas de
enzimas no cérebro que precisam ser ativados durante este período.[10].
Quando o Senhor falou ao seu servo
Moises no monte Sinai ele estabeleceu certas regras de como devemos nos portar
diante dele e diante do nosso próximo. O sexto mandamento diz: “Não matarás”
(Êx 20:13). O senso comum dos homens é entender que devemos nos abster de todo
desejo de matar ou de causar dano ao nosso semelhante. Porém, é preciso mais do
que isso, devemos ajudar a manter a vida do nosso próximo por todos os meios
que nos forem possíveis[11].
Devemos fazer o possível para conservar a vida do nosso próximo evitando e
impedindo tudo que possa vir a lhe prejudicar. A palavra do Senhor nos ensina que
mesmo que não venhamos a matar alguém, mas em nosso coração reina o ódio e a
ira pelo nosso próximo nos tornamos assassinos (1 Jo 3:15). Isso mesmo, pense
bem, não adianta disfarçar, pois se esse sentimento existir em nosso coração é
certo que teremos o desejo de causar dano a alguém.
Por isso o capitalismo tem sido
injusto, porque o problema está no coração do homem que não consegue sequer
amar a Deus de todo coração, muito menos seu próximo. Me lembro do jogo Banco
Imobiliário onde o objetivo é conquistar a maior fortuna, sendo o único jogador
a não ir à falência. É assim que as crianças estão sendo influenciadas pelo
capitalismo desde cedo. Não consigo imaginar um homem que tem o objetivo na
vida de ser o mais rico do mundo sem prejudicar, causar dano a alguém ou o
levar a falência. Este objetivo é contrário aos princípios bíblicos. “Quando fizerem a colheita da sua terra, não
colham até as extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas da sua
colheita. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o SENHOR,
o Deus de vocês” (Lv 23:22 NVI). Se o objetivo do nosso coração é colher
até as extremidades da nossa lavoura, ou seja, explorar tudo que for possível
dos nossos negócios, para satisfazer somente nossas necessidades, recebendo
salários 1.000 vezes acima da média salarial dos empregados, podemos ter a
certeza de que alguma coisa está errada em nosso coração. “Porque
o amor do dinheiro é raiz de todos os males” (1 Tm 6:10).
Jesus nos ensinou que os preceitos
mais importantes da Lei são: a justiça, a misericórdia e a fé! (Mt 23:23). “O reino dos céus é semelhante a um tesouro
oculto, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de
alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo” (Mt 13:44). “Mas o que, para mim, era lucro, isto
considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda,
por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor
do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo”
(Fl 3:7,8).
Conclusão: Deus não
está preocupado com o resultado dos nossos esforços, pois o resultado não é
mais o importante. Nossa disposição deve ser a de servir fielmente a Deus onde
quer que ele nos coloque. Os limites da participação cristã na cultura
devem ser de acordo com os padrões estabelecidos por Deus em sua palavra,
principalmente com a situação de um cristão que ocupa um cargo público. Este
artigo tem a finalidade de mostrar para você, leitor, que existe um grupo de
pessoas que está sendo esquecida há milênios, e que o Senhor quer que
executemos um
juízo verdadeiro, mostrando bondade e misericórdia aos nossos irmãos, fazendo o que for possível para
conservar a vida do nosso próximo evitando e impedindo tudo que possa vir a lhe
prejudicar. Se o capitalismo tem sido injusto com a humanidade e a desigualdade
social vem avançando, é porque nosso coração não tem servido fielmente a Deus por
não conhecer sua vontade e seus preceitos. Não fique entusiasmado com estes
jargões do tipo “vamos construir um mundo melhor”. O sistema é corrupto e tende
a piorar, pois foi concedido a este sistema uma autoridade temporária onde a
igreja será "vencida" e assim Cristo voltará reinando com aqueles que
perseveraram com fidelidade até o fim (Ap 13:1,2,7,8, 10). Ser cristão não tem
nada a ver com o que está sendo ensinado hoje. Precisamos nos preparar para
este dia, e por isso nossa missão é proporcionar através da educação cristã,
oportunidades pelas quais a comunidade adquira o conhecimento de Deus para o
fortalecimento da família, igreja e sociedade, desde a primeira infância.
[1] John Mackey: fundador e presidente da rede de
supermercados americana Whole Foods. Criador do movimento Capitalismo
Consciente.
[2]
LASOR, W. S. et al. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, p. 264, 1999.
[3] EXAME.
São Paulo: Editora Abril, n. 11, p. 37, jul. 2014.
[4] Ibid.
[5]
GREENWAY, Roger. Ide e fazei discípulos:
Uma introdução às missões cristãs. São Paulo: Cultura Cristã, p. 143, 2001.
[6]
EXAME. São Paulo: Editora Abril, n. 13, p. 52, jul. 2013.
[7]
James Heckman, Nobel de Economia (2000).
[8] EXAME.
São Paulo: Editora Abril, n. 11, p. 39, jul. 2014.
[9] FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS. Pesquisa Educação da Primeira Infância. Disponível em: http://cps.fgv.br/edu_infancia.
Acesso em: 14 de jul. 2014.
[10]
DOBSON, James. Ouse disciplinar. São
Paulo: Vida, p.157, 1999.
[11]
CALVINO, João. As Institutas. São
Paulo: Cultura Cristã, I, p. 170, 2006.
Autor: Thiago Caixeta Scalco – Pós Graduado em
Estudos Teológicos pelo CPAJ – Mackenzie. Pós Graduado em Administração Pública
pelo Senac/MG. Graduado do Instituto Haggai do Brasil e Contador do IFSULDEMINAS
- Campus Inconfidentes. Site:http://reedificandominhacasa.blogspot.com