Creio que
um dos maiores problemas enfrentados na igreja de Cristo hoje esteja relacionado
a doutrina da igreja. A igreja tem falhado em instruir seus membros
biblicamente acerca dos princípios que envolvem as relações interpessoais. Os
ministros do evangelho estão ocupados demais com atividades que não são
prioridades. Estão
servindo mais a estrutura (governo da igreja, estatuto e etc.) do que a Deus
(STETZER, 2015, p.122). O ministério da Palavra é o principal meio de graça, e ele não é
somente público (pregação), mas é também privado (aconselhamento). A igreja é
uma agência educadora, ou seja, uma escola, e seus alunos se matriculam por
meio do batismo, e esta educação é vital. Essa falta de interesse pela igreja
visível, está afetando diretamente os sacramentos (profanação da Ceia), o
aconselhamento bíblico (busca de conhecimento na psicologia secular), o
discipulado dos novos convertidos, as obras de misericórdia (diaconato) e
principalmente a disciplina bíblica que começa em Mateus 18:15.
Calvino dizia que a segurança da igreja é
fundamentada e sustentada sobre a (1) doutrina, a (2) disciplina e os (3) sacramentos (COLIN, 1976, apud POIRIER, 2011, p.218).
Todo aquele que está em Cristo é um discípulo de Cristo, e discípulos são
simplesmente pessoas que andam sob disciplina. A disciplina visa honrar a Deus,
purificar a igreja e restaurar o pecador. A disciplina deve ser aplicada:
- Com humildade (Mt 18:1-5): o pastor deve agir sem preocupações com o status (posição) ou com sua própria reputação, mas submetendo ao senhorio de Cristo, e reconhecer que não está acima da disciplina dos outros por causa de hierarquia.
- Com uma visão séria do pecado (Mt 18:5-9): o pecado não reprimido zomba de Deus, transforma a igreja em um celeiro para mais pecados e manda o pecador para o inferno.
- Com o coração de um pastor (Mt 18:10-14): os pastores tendem a andar em direção às ovelhas saudáveis e não às fracas, em direção às piedosas e não às injustas, ou seja, eles têm a tendência de ir atrás das noventa e nove saudáveis, e não daquela que se perdeu (Ez 34). Ele não só deve buscá-la, mas também restaurá-la, o que envolve trabalho árduo e um fardo pesado.
A liderança da igreja está transferindo para os
profissionais da saúde mental, e das áreas jurídica e governamental, aquilo que é sua
responsabilidade, reclamando não ter tempo para se envolver com as pessoas, e
muito menos com seus problemas. A mediação, e a arbitragem não são privilégios
da comunidade jurídica (1 Co 6:1-8). A mediação fala sobre mediador, e o
próprio evangelho é a grande metanarrativa do Deus-homem Mediador e de sua
mediação redentora. Os pastores são chamados para o ministério da reconciliação
e deveriam ser os mais familiarizados e transformados por essa história da
mediação (POIRIER, 2011, p.178).
A infidelidade ou negligência de um pastor é fatal
a igreja. Pois assim como a salvação de seu rebanho é a coroa do pastor, assim
também todos os que perecem serão requeridos das mãos dos pastores displicentes
(CALVINO, 2006, 125).
A igreja
hoje está cada vez mais cega aos mandatos de Mateus 18:15-16 (Mediação) e 1
Coríntios 6:1-8 (Arbitragem). Estas passagens nos ensinam que se as partes não
conseguirem resolver o conflito por meio da mediação (Mt 18:15-16), devem ter
oportunidade de recorrer à arbitragem (1 Co 6:1-8), na própria igreja.
A
disciplina bíblica é apresentada como uma disciplina familiar e paternal (Mt
18:15; 1 Tm 3:4; Pv 13:24; 6:23; Sl 94:12; Hb 12:1-14; Ap 3:19), e quando é
negligenciada no lar, ela influencia negativamente a doutrina da igreja, como
no exemplo dos filhos do sacerdote Eli, que profanavam o templo sem que o pai
lhes repreendesse, pois ele honrava mais os filhos do que a Deus (1 Samuel
2:29-30; 1 Sm 3:13).
Penso que
este problema tem sua raiz na família (1Tm 3:4-5; Tt :1:6) que se inicia na falta de harmonia
conjugal (Gn 2:24) e o seu efeito contaminador (Hb 12:15) que a amargura exerce
na vida dos filhos levando ao desenvolvimento da ira à rebeldia. A perspectiva
da disciplina dos pais tem sido aplicada de forma simplista e cruel. “Aquele
que sabe como ensinar um filho, não é competente para supervisionar a educação
do filho, a menos que saiba também como treiná-lo” (H. Clay Trumbull). O treinamento
de um filho é o modelar, o desenvolver e o controlar de suas faculdades, ao
passo que o ensino de uma criança é a segurança de um conhecimento que
está além de sua capacidade (PRIOLO, 2018, p.76).
Disciplinar
filhos pode levar tempo. Um bom exemplo seria de um ferreiro e seu aprendiz.
Antigamente o treinamento de um aprendiz durava cerca de sete anos. A primeira
coisa que o artífice mestre fazia era explicar e mostrar o equipamento. Depois
de uma série de observações, o artífice mestre permitia que o aprendiz o
ajudasse em algumas etapas. O mestre o corrigia no ato, caso cometesse um erro,
e, exigia que fizesse de novo até que acertasse. Por vezes, o mestre ficava
atrás do aprendiz segurando e apoiando suas mãos, então juntos, o mestre
demonstraria a exata posição dos seus movimentos. Após alguns exercícios de
treinamento prático, o mestre permitia que o aprendiz tentasse executar o
processo por conta própria. Então logo que o aprendiz cometesse algum erro,
imediatamente seu mestre diria: “Não faça assim”. E novamente segurando a mão
do aprendiz lhe mostraria como corrigir seu erro. Imagine como seria se o
artífice mestre explicasse o procedimento uma vez, e no momento que o aprendiz
cometesse o erro, o mestre dissesse: “Errado! Você será castigado, ou ficará
sem jantar hoje. É bom que você melhore amanhã”.
“Disciplina
bíblica evolve corrigir o comportamento errado por meio do exercício do
comportamento certo, com a atitude certa, pela razão certa, até que o
comportamento certo se torne habitual” (PRIOLO, 2018, p.83). O treinamento é um
princípio bíblico. A palavra exercita-te (gumnazo – da qual tiramos as
palavras ginástica e ginásio) significa treinar. Ela é encontrada nos
versículos de 1 Tm 4:7 e Hb 5:14; 12:7-11.
Da mesma
forma, o objetivo da disciplina eclesiástica não é se livrar de ninguém, pelo
contrário, é reconciliação. “Todo crente em Jesus Cristo tem direito de ser
disciplinado” (ADAMS, 2016, p.390). “A igreja mais excelente que você possa
pertencer é a interessada em reconciliar incrédulos a um relacionamento correto
com Deus e reconciliar cristãos a um relacionamento correto uns com os outros”
(SHAW, 2017, p.40). “A disciplina começa pelas obrigações pastorais comuns de
discipular o povo de Deus por meio da pregação, do ensino, do aconselhamento e
do preparo dos santos” (POIRIER, 2011, p.224).
Muitos
pais estão provocando seus filhos a ira ao discipliná-los de forma legalista,
ou seja, elevando regras feitas pelos homens ao mesmo nível dos mandamentos de
Deus estabelecidos nas Escrituras, e caso estes pais se tornem líderes
eclesiásticos a doutrina da igreja correrá sérios riscos com o tipo de
disciplina que eles poderão aplicar na vidas dos membros da congregação. Os
pais devem apresentar de forma clara o que é Lei de Deus e o que é Lei da Casa
para seus filhos. A Lei de Deus são leis orientadas pela Bíblia, que todos os
homens estão obrigados a fazer porque Deus ordenou. Alguns exemplos seriam: ame
ao Senhor teu Deus de todo coração e ame o teu próximo como a ti mesmo; não
minta, não roube, não cobice e etc. Por outro lado, a Lei da Casa são regras
derivadas da Bíblia, e devemos obedecê-las enquanto estivermos sob as
autoridades estabelecidas por Deus em nossas vidas, neste caso os pais são
autoridade na vida dos filhos, e alguns exemplos seriam: ir para cama às
20:30hs, arrumar a cama todas as manhãs, assistir somente uma hora de TV por
dia, não namorar antes dos 15 anos e etc.
Quando
estas regras não ficam claras, os filhos podem rejeitar o verdadeiro
cristianismo, e o mesmo pode acontecer com os membros da congregação. Jesus
combateu este mesmo tipo de legalismo com os líderes religiosos do seu tempo.
Os escribas e fariseus se apegavam e propagavam regras ao ponto de se tornarem
tão legais e obrigatórias quanto as Escrituras. Suas tradições eram feitas por
mãos de homens, e eles ensinavam como se fossem obrigatórias como a Lei de
Deus. Por não fazerem essa distinção entre regras de homens, dos mandamentos de
Deus, eles foram chamados de hipócritas (Mt 15:8,9). Esse tipo de legalismo
pode provocar ira nos filhos. Por exemplo, jamais diga a seu filho que: “É da
vontade de Deus que você comece a namorar ao completar 15 anos”. Esta é uma
regra da casa, e não um mandamento do Senhor. O mesmo exemplo se dá ao caso de
tatuagem, corte de cabelo, brinco, música, bebidas e comidas. Explique para
seus filhos que estas são regras da casa, sabendo que elas podem ser recorríveis,
ou seja, apeláveis, porém, as regras de Deus, nunca podem ser recorridas. O
mesmo deve acontecer no âmbito da igreja.
O
propósito deste artigo é o de demonstrar não somente a necessidade de ensinar
tarefas relativamente simples e temporais, mas a necessidade de ensinar a
aplicação da verdade eterna e o desenvolvimento da semelhança ao caráter de
Cristo.
REFERENCIAL
TEÓRICO
ADAMS,
Jay. Teologia do Aconselhamento Cristão: Mais que redenção. Fortaleza:
Peregrino, 2016.
PRIOLO,
Lou. Filhos Irados: Uma abordagem Bíblica. 2. ed. São Paulo: NUTRA,
2018.
POIRIER,
Alfred. O Pastor Pacificador: Um guia bíblico para a solução de
conflitos na Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2011.
SHAW,
Mark E. Intervenção Divina: Esperança e Socorro para famílias de
dependentes químicos. Eusébio: Peregrino, 2017.
STETZER,
ED. Plantando Igrejas Missionais: Como plantar igrejas bíblicas,
saudáveis e relevantes a cultura. São Paulo: Edições Vida Nova, 2015.
CALVINO,
João. As Institutas da Religião Cristã.
IV Vol. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.